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Henry Miller Continua Vivo!

E isto então? Isto não é um livro. Isto é injúria, calúnia, difamação de caráter. Isto não é um livro, no sentido comum da palavra. Não, isto é um prolongado insulto, uma cusparada na cara da Arte, um pontapé no traseiro de Deus, do Homem, do Destino, do Tempo, do Amor, da Beleza…. e do que mais quiserem. Vou cantar para você, um pouco desafinado talvez, mas vou cantar. Cantarei enquanto você coaxa, dançarei sobre seu cadáver sujo…

Nesse trecho do livro “Trópico de Câncer”, o escritor Henry Miller, então com 50 anos de idade, morando em condições precárias numa Paris dos anos 30, declara por que escreve aquele texto. Desiludido com um casamento fracassado e sua pátria decadente, ele decide embarcar na cidade das luzes, local freqüentado por artistas bem sucedidos do mundo inteiro – um sucesso que estava longe de acontecer na vida do escritor. Miller quer falar das coisas mundanas: das prostitutas que conhece, dos prazeres da vida, das camas sujas, dos bares e cafés toscos, mas com pessoas reais, cheias de sofrimento, dores, e muita decadência. Pra ele isso tudo é combustível para sua alma e conseqüentemente, para sua escrita afiada e sem concessões.  Henry Miller conseguiu antecipar um pouco da literatura visceral e fluída dos beatniks dos anos 50. Henry Miller conseguiu descrever em detalhes essas coisas mundanas motivadoras das mais desesperadoras ações humanas. Henry Miller conseguiu poetizar a sexualidade, sem elevá-la a um status incoerente e distorcido do que ela realmente poderia representar.  Henry Miller é sincero e é um exemplo da possibilidade de vivermos uma vida de exageros, sem preocupações morais ou materiais.

Ó Tânia, onde estão agora aquela sua boceta quente, aquelas ligas gordas e pesadas, aquelas coxas macias e arredondadas? Em meu membro há um osso de quinze centímetros de comprimento. Tânia, alisarei todas as pregas de sua vulva, cheia de semente. Mandá-la-ei de volta para seu Sylvester com a barriga doendo e o útero virado. Seu Sylvester! Sim, ele sabe acender um fogo, mas eu sei inflamar uma vagina. Enfiarei pregos quentes em você, Tânia. Deixarei seus ovários incandescentes. Seu Sylvester agora está um pouco ciumento? Ele sente alguma coisa, não sente? Sente os remanescentes de meu grande membro. Deixei as margens um pouco mais largas. Alisei as pregas. Depois de mim, você pode receber garanhões, touros, carneiros, cisnes e São Bernardos. Pode enfiar pelo reto sapos, morcegos, lagartos. Você pode defecar arpejos ou amarrar uma cítara sobre o umbigo. Eu estou fodendo, Tânia, para que você fique fornicada. E se tem medo de ser fornicada em público, eu fornicarei privativamente. Arrancarei alguns pêlos de sua vulva e os grudarei no queixo de Bóris. Morderei seu clitóris e cuspirei moedas de dois francos…

No alto dos seus 89 anos, no leito de morte, ele, em plena consciência, fala pra câmera: “Eu acuso o criador, se é que existe um, de fazer o mundo do jeito que é. Eu já vou saber se existe um criador ou não. Ainda sou da opinião que não existe o criador, mas existe algo que corresponda à palavra criação. Até agora ninguém conseguiu me dar uma explicação da palavra criação – é alguém, alguma coisa? De qualquer forma, eu preciso agradecer por todos os acontecimentos maravilhosos e por todo o tempo que passei aqui. Mas sinto que eu fui responsável por muitos desses acontecimentos maravilhosos. Aqui estou no meu leito de morte e é difícil pronunciar essa palavra, pois não sei realmente o que ela significa. Estou perto da morte, mas pra mim ainda sinto vivo, vivo até o final.”

3 comentários sobre “Henry Miller Continua Vivo!

  1. Um amante da decadência culpando Deus por ter feito o mundo do jeito que é? Puta merda! Contudo, para mim isso nao soa tao contraditório quanto parece. Independente de minha crenças pessoais, acho no mínimo descabida esse tipo de crítica recorrente. No final das contas, somos ou nao somos o centro do universo?

  2. “Eu estou fodendo, Tânia, para que você fique fornicada. E se tem medo de ser fornicada em público, eu fornicarei privativamente (…)”. Quem traduziu? Eu ficaria profundamente ofendido no lugar de Henry Miller. Nada pessoal.

  3. essa tradução está longe de ser ideal, é verdade…

    dylan diria que somos o centro do universo, afinal fazemos tudo que queremos, pensamos e falamos com a nossa própria boca. e como henry miller disse, ele foi o responsável pelos “acontecimentos maravilhosos” (tradução minha mesma) da sua vida, assim como também somos responsáveis pelos nossos atos, não adianta botar a culpa num ser imaginário, deus ou no diabo.

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