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Sonhos e Devaneios para 2020

pace sonhos 2020

A placa da imobiliária responsável por uma série de malandragens no passado, mas o outro lado da moeda, no caso a venda, parece ser mais promissor, enfim, o fato dessa placa estar agora do meu lado me lembra que é hora desse “boy” aqui se mexer um pouco. Após os pequenos grandes sonhos produzidos em terras hermanas em um saboroso verão ao lado do parceiro de viagens, o sempre citado, Jorge Caldabranca, era a vez de começar a colocar os planos em prática, ou ao menos, quitar todas as pendências burocráticas que novamente habitam e assustam meu dia-a-dia. Nas horas vagas, reler o grande Fante é sempre um prazer e outra identificação, apesar de Caldabranca insistir que se ele fosse publicado hoje em dia, ninguém o leria. Talvez isso até esteja certo, são tempos estranhos e tudo mais, mas isso não faz dele um escritor menor, seu talento ficou pra história e ainda serve para jovens escritores se sentirem menos solitários em suas loucuras. E até que enfim tenho sedas de verdade para enrolar meus tabacos, já estava cansado daquelas francesas bem vagabundas, com pólvora e sem goma qualquer. Fui obrigado a comprá-las, pois não queria pagar mais de onze reais em 50 míseras folhas. E no Uruguai era assim: cigarro, tabaco, seda, cerveja e comidas em geral; tudo era caro demais, exceto alguns queijos, vinhos, alfajores e empanadas, dependendo do tamanho delas. Vivi a base dessas empanadas, pizzas de mercado, e das massas que improvisava na cozinha do Caldabranca. De sobremesa, um alfajor. O vinho, quase sempre foi companheiro dessas ocasiões, exceto nas primeiras duas semanas em que a cerveja foi o ator principal, graças aos diretores Mr. Pink e Dr. Robert. Experimentamos em torno de 50 marcas de cerveja, normalmente importadas, já que o valor de muitas delas estavam na faixa das nacionais. Me lembrei da coleção de latinhas de cerveja que meu irmão tinha quando criança, e como era interessante a comunhão com ele e meu pai, que comprava as latinhas e de certo modo, nos ensinava a degustar o álcool desde cedo, evitando que ambos virassem alcoólatras na fase adulta. Hoje meu irmão é abstêmio por opção e eu costumo beber, mas moderadamente e sem essas despersonificações típicas dos tomadores de porres. Tenho alguns amigos assim e entendo que pra eles, a bebida é sim um problema. Sou amante do vinho e ocasionalmente de alguma cerveja bem gelada. Acabei comprando um whisky no Chuí porque estava bem barato e também curto degustar um bom whisky em épocas esparsas que tive pela vida. Bebidas à parte, esse tempo longe dessa capital linda, mas desastrosa, em um local onde ninguém te conhece, exceto o velho parceiro mencionado, esse precioso tempo foi fundamental para reorganizar os pensamentos, reordenando as gavetas de uma mente que me faz recordar das rodoviárias mais caóticas que já estive. Talvez as maiores criações humanas se deram através do ócio, e às vezes é preciso largar tudo para poder construir o cenário propício para tal atividade. Salvo alguns momentos onde produzimos vídeos, o restante do tempo estávamos caminhando, indo pra praia, entrando no mar, olhando pro nada, esse nada que pode vir em forma de um oceano e de um céu azul sem nuvens. Ao lado do Jorge, eu passava boa parte do tempo em silêncio, escutando sua verborragia e seus empolgados devaneios. Boa parte das ideias e desses sonhos falados aqui vieram nesses instantes, mas isso pouco importa agora, o fato é que eles se tornaram reais e para isso, preciso me mexer. Sair de certas zonas de conforto também ajuda, e essa certamente será outra meta para os próximos dias.

Curitiba parece estacionada na imagem de algum cartão postal comprado às pressas em algum aeroporto reformado recentemente. Costumo dizer que levei trinta anos para me apaixonar por essa cidade, mas já se passaram quase dez anos desde que falei isso, e como qualquer paixão, um dia ela desaparece. É justamente nesse momento que você percebe que precisa vazar e que se continuar por esses cantos, todos os encantos desaparecerão, restando apenas aqueles bons momentos ao lado dos personagens que você se acostumou a encontrar, na cidade onde nasceu. Mas tenho certeza que essas figuras raras continuarão por aqui, e mais cedo ou mais tarde, voltarei a reencontrá-las. Tenho uma teoria que diz que a maioria das pessoas não nasce onde deveria ter nascido, e por isso, é preciso encontrar seu lugar no mundo, para não morrer amargo e arrependido. Meu irmão encontrou seu porto seguro nos Estados Unidos, e eu, bem, eu andei vagando por alguns países sul americanos, mas sinto que ainda preciso encontrar esse porto, um porto suave e mais leve, certamente distante dessa capital paranaense, onde não possuo raízes, exceto um pai mineiro que insiste em ficar por aqui e independente de onde eu estiver, ele continuará sendo o grande sábio que sempre foi.

Um horizonte possível, onde teria muitos parentes próximos, seria Salvador. Ainda não consigo imaginar como seria viver lá, mas carrego boas lembranças desse lugar, onde a “brisa” de Paquito diminui a sensação de calor, e o humor daquele povo me faz recuperar a esperança no ser humano. Enquanto no sul somos presenteados com infra estrutura e todas essas coisas que envolvem dinheiro, no nordeste o caos parece prosperar, mas é lá onde vejo um maior desenvolvimento humano, e é justamente nisso que estou interessado. Passei um tempo no Uruguai e gostei de lá, apesar de achar tudo caro. Mas quem sabe eu consiga a proeza de morar na Bahia durante o inverno e no Uruguai, durante o verão. A única certeza que tenho é que aqui em Curitiba não dá mais. Só posso desejar que essa cidade melhore, especialmente com a chegada de tantos forasteiros legais. “O passado é uma roupa não nos serve mais”, por isso preciso, mais do que nunca, encontrar minhas novas camisetas floridas e assim, me sentir um pouco mais… Feliz!

 

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Em tempo: Gostaria de prestar minhas condolências a família do jogador da NBA Kobe Bryant. Nunca mencionei nos meus textos essa paixão que ainda tenho pelo basquete e fiquei realmente triste com essa notícia. R. I. P.

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Hasta Luego Brasil!

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O ano foi pesado e marcado pela morte física da minha mãe querida. Nos sonhos, ela continua mais viva do que nunca e independente do que acontece no mundo real, ela seguirá sendo uma espécie de guia eterno, me protegendo dos caminhos obscuros típicos dos tempos modernos. Viajar se tornava novamente necessário. Viajar naquele sentido profundo do termo, ou seja, sentia que precisava trocar a roupa da alma mais uma vez, após outro ano complicado e pré apocalíptico. Enquanto a estupidez e a violência tomam conta dos poderes institucionais no país dos falsos heróis, me vejo obrigado a usar minhas últimas gotas de lucidez para transformar positivamente a realidade ao redor. Primeiro o afastamento geográfico, importante para cicatrizar algumas feridas antigas e oxigenar a cabeça. Em seguida, a vivência em terras estrangeiras, ao lado de poucos amigos.

Dias suaves sem grandes compromissos. Dias contemplativos sem as nuvens negras da cidade natal. Dias de sol e praia. Noites de vinho e erva legalizada. Me impressiono com a quantidade de empanadas por metro quadrado e com a capacidade do turista brasileiro para se envolver em trampas. Trampas envolvendo preços de cerveja não divulgados. Trampas envolvendo ganja natural vendida a preço de ouro. Trampas envolvendo dólares, reais e os pesos locais. Trampas envolvendo mendigos malandros ladrões de isqueiros. A distância do lar provoca alterações psíquicas, dificultando o bom senso e gerando uma estranha ansiedade capaz de induzir erros tolos. Mas são nessas histórias que aprendo algo novo, ou talvez tão velho que já havia esquecido. Lições do manual de sobrevivência do ser humano que decide viver em terras estranhas, com pouco dinheiro no bolso e sem parentes importantes por perto. Jorge Caldabranca talvez represente essa família. Jorge talvez seja aquele tio louco, com tinta no cabelo cumprido e sem “batatas” na língua. Disposto a me mostrar os encantos do país vizinho e de uma vida dedicada ao zen nadismo. Enquanto isso, na nuca do pensamento, os flashes do passado recente carimbado pelos fatos esquisitos. O projeto da casa dos artistas havia gerado dois filhos e uma porção de casais, boa parte deles desfeitos devido a ação implacável do tempo. O ritmo acelerado da sociedade contemporânea faz as relações se tornarem fúteis e carentes de perdões. É mais fácil seguir o seu próprio caminho e deixar a fila andar. A paciência se tornou artigo raro. O suposto amor livre que deveria nos salvar da caretice ou do patriarcalismo histórico está nos fazendo sentir cada vez mais sozinhos. E é nessa solidão descolorida que a tecnologia opera, oferecendo as distrações necessárias para suportar o vazio. Mas é justamente nos solos inférteis que a esperança costuma brotar, sem pedir licença, funcionando como algum tipo de aviso divino que apesar de tudo, as coisas podem melhorar. O mundo continuará seu processo autodestrutivo, mas você e eu não precisamos colaborar para que isso aconteça. Juntos, podemos apontar para alguma outra direção, menos egoísta e mais cooperativa. E às vezes para termos essas sacações, precisamos sair por aí, explorar cantos inexplorados, conhecer gente diferente, voltar a se apaixonar pelo céu, o mar ou essa última lua cheia bem no dia do meu número de sorte. A natureza não está nem aí para a sua opinião ou seus problemas, mas seu poder de cura é infinito.

Estou novamente em uma cidade relativamente pequena, distante dos venenos da capital e ao lado de um dos meus amigos mais puros, apesar dos seus pequenos vícios burgueses. Jorge Caldabranca já se fudeu o suficiente na vida para poder desfrutar dos prazeres carnais propiciados por uma situação financeira estável, especialmente após cinco décadas no melhor estilo “on the road”, como ele próprio costuma esbravejar. Ele já lançou seus livros e ganhou algum dinheiro com isso, porém hoje ele se dedica ao ócio criativo, além de se divertir atuando como cicerone de jovens viajeros, em busca de algum tipo de aventura. Há dois anos ele largou o Brasil e veio viver no único país sul-americano onde ainda existe um sopro de democracia. Diz que só volta pra lá quando o povo voltar para o poder. A frustração política o fez tomar essa decisão e graças a isso, hoje tenho um local aconchegante para passar meus dias de exílio, após um ano explosivo, daqueles que ficam na memória para sempre. Não vou usar a palavra ruim, pois para mim ruim é quando não fazemos aquilo que queremos e passamos o tempo postergando sonhos ou atrapados em histórias repetidas com finais previsíveis. Neste ano vivi intensamente tudo que quis, apesar de ter tido que lidar com a partida da minha mãe, algo que certamente ainda ecoará em meu coração pelos próximos anos.

Os dias no Uruguai passam na velocidade do vento que costuma castigar esses ares. No HD recauchutado da mente, ainda preciso processar certos pontos, apagando as pontas desnecessárias e tentando compreender certas viagens meio bizarras, como o compartilhamento feminino entre pai e filho, ambos amigos antigos e que me acompanharam nos primeiros dias longe de casa. E o fim dessa jornada, ao lado da micro família já citada, culminou em um hostel psicoativo comandado por alguns brasileiros, fãs assíduos da planta mais famosa do país, e já residentes permanentes nessas terras celestes. Hoje ficamos sem grana, após todo o investimento necessário, mas acredito que depois da partida dos dois camaradas, conseguirei economizar uns bons pesos, além de conseguir ter mais tempo para produzir e quem sabe, descolar alguns trampos. Viajar não é uma tarefa tão fácil assim, especialmente quando você está com o dinheiro contado, porém com um pouco de inteligência e uma boa dose de esforço, é possível economizar e ainda viver com uma certa qualidade de vida. Não sei ao certo como será os próximos dias, nosso amigo escultor estará nos visitando em breve, e só posso esperar que a passagem do ano seja tão memorável quanto o próprio.

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A Casa dos Sonhos

pace casa sonhoTalvez você já tenha ouvido falar por aí, em algum canto obscuro, ou talvez aqui mesmo, nesse blog capenga e com o prazo de validade vencido. Tentarei escrever e descrever esse projeto improvisado e que durou mais de quatro anos. Isso, graças ao meu amigo e parceiro das ruas, o mítico Caldabranca, que me pediu para fazer uma crônica somente sobre isso. Isso? Isso o quê? Talvez você esteja se perguntando nesse momento. Explico. Nesse blog escrevi por um tempo as tais “crônicas de nácar”, batizadas com esse nome engraçadinho para contar algumas das histórias envolvendo essa casa, ou projeto, como falei no início. Projeto porque se trata de uma espécie de projeto cultural, envolvendo artistas desacreditados, e sim, uma casa, para abrigar esses malucos todos, muitos vindos de longe, de países como Uruguai e Argentina, por exemplo. 

Comecei essa história em um bairro de Curitiba, chamado Pilarzinho. Ali, dividimos as contas e alugamos uma casa que, apesar do estilo familiar, se tornou tudo menos algo que vemos em qualquer família por aí. Isso porque ali moraram alguns artistas de diversas áreas: música, cinema, poesia e circo, para ficar nos exemplos mais comuns. Fizemos algumas festas como você já deve imaginar, sempre com alguma banda tocando ao vivo e para uma plateia heterogênea. Durante esses eventos, vendíamos comida barata e algumas bebidas. Além dos shows, normalmente realizados em um palco improvisado do lado de fora da casa, rolavam performances, exposições e apresentações espontâneas de caras como o próprio Caldabranca. Nesse período boa parte dos artistas da casa trabalhavam na rua, em semáforos ou na rua mesmo, tocando algum instrumento. E talvez por isso, a energia hippie predominava, e talvez outro exemplo disso era o famoso “recicle” que acontecia, onde alguns moradores iam até alguma feira e conseguiam alimentos que seriam descartados, mas que naquela casa se transformavam em um lindo e apetitoso banquete. Era comum hospedarmos viajantes de várias partes e logo esses seres se incorporavam a atmosfera da casa, aprendendo a compartilhar praticamente tudo. Ficamos um ano e meio nessa residência e quando saímos os vizinhos agradeceram, já que muitos deles não compreendiam o que se passava ali, ou apenas reprovavam aquele estilo de vida peculiar. 

Resolvi seguir com o projeto e dessa vez conseguimos uma casa maior e muito bem localizada, próxima ao centro, no bairro Mercês. Imaginávamos as dificuldades que iríamos encontrar e sabíamos que precisávamos trabalhar duro para conseguir pagar todas as contas e tornar esse sonho de verão, em algo sustentável. Já no primeiro mês, organizamos um quarto para servir de hospedagem: construímos um beliche que faltava e definimos alguém para cuidar apenas dessa parte. No primeiro dia, hospedamos um uruguaio e um argentino. Um fazia umas rosquinhas maravilhosas e as vendia na rua por apenas um real a unidade. O outro tocava escaleta no semáforo e assim, ambos conseguiam pagar a diária, de apenas quinze reais. Após um tempo, descobri que o senhor uruguaio já havia comandado grandes cozinhas e assim, o coloquei como responsável dessa parte. Nessa época, todos os dias ele fazia as refeições para todos que estivessem na casa, algo extremamente importante e fundamental para o bom convívio de todos. Nas sextas, fazíamos eventos multiculturais, onde normalmente alguma banda de jazz tocava na sala de ensaio ao lado do terraço. Chegamos a receber mais de oitenta pessoas em uma noite, algumas estrangeiras, e desse modo, conseguíamos garantir a comida para o restante da semana. Claro que festas desse tipo, após as 22 horas e em plena capital do conservadorismo, trouxeram alguns problemas. A polícia precisou intervir em algumas ocasiões e assim, decidimos diminuir a periodicidade dos eventos, e tentamos começar mais cedo, para evitar maiores transtornos. O fluxo de pessoas diminuiu, mas a qualidade dos eventos continuava boa. Mas abrigar artistas “incompreendidos” não é fácil, uma vez que cada um tem seus problemas pessoais e quando falamos em artistas, fica difícil imaginar alguém organizado. Por isso, alguns deles acabavam não cumprindo com o trato financeiro, mas como eu sabia da importância de dar continuidade no projeto, eu dava um jeito de pagar as contas, na promessa que depois eles me pagassem, algo que muitas vezes, como você também já ter imaginado, não ocorria. Na casa, além da sala de ensaio e da hospedagem mencionadas, também havia um atelier de escultura, onde um grande parceiro produzia suas peças, e um “lounge”, onde plantas comestíveis eram cultivadas. Na sala principal, funcionava um tipo de agência, onde eram feitas as artes digitais e um programador experiente criava nosso web site. A primeira impressão das pessoas que passavam por lá era sempre muito positiva, e muitos diziam nunca terem visto algo do gênero, pelo menos em Curitiba. Lá você se sentia à vontade e com um sentido de conexão com o restante do mundo, algo que também costuma ser visto em hostels descolados por aí. Apesar das dificuldades, ficamos mais de dois anos nesse espaço, e nesse tempo, criamos um programa de rádio da casa e que ainda continua no ar, pela Rádio Cultura de Curitiba, além de uma porção de outros projetos como um clube de francês, um coral e até uma capoeira e bandas, muitas delas formadas através do encontro de músicos que passavam pela casa. Acima de tudo, a casa era um ponto de encontro. Não importava sua posição política, suas desavenças no passado ou suas limitações, o bacana era perceber que você não estava sozinho, e que juntos, era possível criar ideias mais ambiciosas e criativas. Mas o fim desse ciclo chegou, e não pense que desisti disso tudo, ou pior, resolvi “cair na real”. Realmente criar e manter um projeto desses nesse Brasil apocalíptico é algo quase impossível, e por isso mesmo, ainda penso em seguir com essa ideia, porém em outra cidade ou país. Aprendi muito nesse tempo e com cada um que participou desse pequeno grande sonho, e pretendo carregar essas experiências seja lá onde eu for parar. Se você é um desses que fez parte dessa maluquice toda, te mando um grande abraço e te digo: obrigado! 

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Crônicas de Nácar #11: Perdas, Mudanças e a Dança da Realidade

pace_mudancasE foi assim, em modo detonação lenta, enquanto na cabeça o grito urgente de Charles Bradley ecoava a canção de Ozzy: “estou atravessando mudanças”, que aos poucos os dinamites transmutacionais destroçavam as pontes de um passado recente. Os últimos meses foram como esses últimos episódios dessas séries que gostamos de desperdiçar nossos tempos. É hora de recompor os retalhos, juntar os trapos e seguir em frente. A bomba atingiu a casa dos sonhos, o projeto maluco envolvendo artistas de todas as partes havia sido limado, ao menos pelos próximos meses. As crônicas de nácar buscam agora, um novo endereço, quem sabe em algum território menos hostil, onde a palavra democracia ainda signifique alguma coisa. E onde agora só se vê tinta fresca e retidão, é pela via dessa minha memória amiga que saltam as histórias vividas ali. Histórias engraçadas, às vezes trágicas ou românticas, histórias cheias de reviravoltas envolvendo personagens raros oriundos desse submundo ou provavelmente de algum universo paralelo onde os habitantes ainda acreditem na arte como libertação do indivíduo, ainda que esses mesmos seres também façam parte de um sistema sujo e bruto vulgarmente apelidado de capitalismo.

Não ganhamos dinheiro e isso não é nenhuma novidade, mas ganhamos sorrisos, histórias e uma porção de abraços sinceros. Plantamos sementes e cultivamos sonhos, daqueles que não podemos tocar ou muito menos comprar na padaria da esquina. Vivemos da nossa maneira, sem nos importar com opiniões alheias. Criamos algo concreto e que fazia o sangue das nossas veias correr rapidamente. Afinal, a maior adrenalina é aquela proporcionada quando fazemos algo que realmente queremos, ainda que os riscos tentem nos convencer do contrário. Em um mundo bicolor demos nossa pequena grande contribuição. Unimos as cores, deixamos as bandeiras de lado e mostramos que é possível termos harmonia entre indivíduos da mesma espécie, independente de sexo, cor, idade, religião ou aquela opinião política desconfortante. Na arte tudo é possível e o perdão faz parte do pacote. Deixemos os julgamentos para os homens do poder, quem sabe um dia eles perceberão que o verdadeiro poder está em você poder ser você mesmo. E é justamente quando estamos atrás de dinheiro, fama ou desse pseudo sucesso vendido na TV, que nos afastamos das nossas essências e nos sentimos vazios e oprimidos. Nossa conexão é com o cosmos e para percebermos isso, é necessário focarmos nos sentimentos, nas emoções reais, naturalmente nos distanciando dos velhos discursos, dos dogmas religiosos e das receitas de bolo vendidas nos livros de auto ajuda. E se for para se espelhar em frases prontas, fico com os versos populares dos autores atemporais: “felicidade não existe, o que existe são momentos felizes”.

A serenidade parece vir com a idade, e é através dela que conseguimos lidar com os inquietos momentos entre os instantes felizes. Vitórias serão sempre comemoradas, mas enquanto não aprendermos a perder, viveremos decepcionados e descontentes. É na perda que aprendemos as tais grandes lições. Estou percebendo isso na marra, através da morte recente da minha querida mãe. Sua vida, rica em significado, precisava ser revisitada para então poder servir de exemplo, ao menos, para os filhos e amigos que ficaram. Uma vida vivida intensamente, uma vida com vários sonhos realizados e desafios ultrapassados responsáveis por deixar um legado digno de uma grande mulher com o valor de uma jóia única, assim como ela também era chamada. Mamãe continua presente de alguma maneira que a gente não entende, mas sente. Um sentimento especial capaz de nos reconfortar. Nossa relação só cresceu, desde o momento da sua primeira internação, há 7 anos, até hoje, após sua partida. A cada dificuldade vinha uma lição. A cada recuperação pude mensurar o tamanho da sua força. Sei que sua vontade sempre foi ver seus filhos felizes e é justamente nisso que estou trabalhando e pretendo trabalhar pelo resto da vida. Só tenho a agradecer por todas as ferramentas que você me deu e que certamente me ajudam nesse caminho.

Um caminho permeado por falsos atalhos, distrações superficiais e pedras de todos os tamanhos. Alguns preferem acelerar a viagem e passam por esse caminho utilizando um trem bala ou até alguma espaçonave capaz de alcançar sonhos na velocidade da luz. Jogadores de futebol e artistas prodígios entenderão essa analogia. Eu prefiro seguir a pé, observando cada passo dado e mirando no horizonte iluminado. Às vezes tento correr ou pular, mas logo caio, me lembro dos tombos do passado, e me levanto mais uma vez. Outro verso amigo e ensinado pelo mestre decadente, o senhor Bukowski. Thanks again, man. E atrás de mim, estão todos esses mestres, muitos deles cantores, cineastas ou poetas de rua. A fila de inspirações é cumprida e também fazem parte dela meus avós, bisavós, tataravós e agora minha querida mãe. Nesse sentido, nunca me sentirei sozinho e serei eternamente grato por me sentir conectado com todos esses antecessores. Jodorowsky, gracias por ter me ajudado a compreender essa dança da realidade que você tanto fala. As famílias físicas nos ensinam a quebrar ciclos viciosos, deixando preciosas pistas que nos ajudam a entender quem realmente somos. Quando fugimos dessa história, e vemos que em muitas situações essa fuga momentânea é fundamental, porém, se não voltamos pra ela, seguiremos atormentados. Em suma, o afastamento familiar é importante, mas o reencontro mais cedo ou mais tarde, se faz necessário. Pode doer, mas essa dor pode ser maior se não há pelo menos uma tentativa para que essa reaproximação possa acontecer. No hospital, ao lado de mamãe, ouvi algumas histórias tristes que acabaram assim. Através do distanciamento podemos aceitar e nos prepararmos para perdoar. Os milagres costumam nascer desse sentimento nobre e meio fora de moda.

E assim a roda gira, as máquinas seguem trabalhando, os asfaltos da cidade modelo são refeitos, enquanto dentro de mim uma reconstrução invisível de proporções quânticas é realizada. O ajuntamento das peças brilhantes e cheias de lágrimas são lentamente reorganizadas e sedimentadas, abrindo as portas dessa casa que me acostumei a chamar de minha. Let the good times roll.

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Sonhos e Reflexões no País dos Falsos Heróis

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Instantes inconstantes que precedem a mudança no clima na cidade dos pinheirais. Após quarenta dias de sol a chuva amiga das plantas e inimiga dos eventos sociais vem para limpar a poeira acumulada. Fugazes hibernações são capazes de produzir sonhos em toneladas. Viagens do inconsciente por entre vielas da memória sensitiva envolvendo personagens recorrentes: o chefe da vida, amigos atuais, laços maternos eternos e uma porção de outras doideras envolvendo viagens interdimensionais de proporções quânticas.

A iminência do fim de mais um ciclo, talvez dois, um deles infinitamente mais importante, afinal, família é família e isso todo mundo já sabe. Mas há momentos que isso fica mais claro que o plástico filme que envolve o sanduíche natural de outrora. O astronauta foi pra lua há cinquenta anos e hoje ainda tentamos lutar por direitos iguais, contra os mesmos velhos tiranos que insistem em seguir no poder, enquanto a tecnologia que deveria nos ajudar, é capaz de produzir mais caos e tristezas. Tudo moldado por esse sistema capenga propagador de injustiças. E é nesse ápice tecnológico que surgem os hackers que tentam desmascarar os falsos heróis, ainda que seus discípulos fechem os olhos para os fatos que pipocam nos principais jornais mundiais. Até mesmo as notícias “livre de hackers” sobre o perdão ao agronegócio, a enxurrada de agrotóxicos aprovada pelo governo, a indicação do filho fritador de hambúrgueres para a embaixada do Tio Sam e o preconceito notório ao povo nordestino parecem não chegar nas timelines de seus eleitores, culpa desses algoritmos criadores de bolhas ilusórias. E o país segue dividido como uma pizza gigante: metade calabresa, metade mussarela. Uma pizza de borracha, tipo aquela usada na propaganda, afinal, sabemos que no fundo, estamos todos no mesmo barco. Esse sim real, afundando em ritmo frenético, enquanto os botes salva-vidas são retirados sem maiores explicações, assim como os direitos trabalhistas e essa tal reforma da previdência.

É evidente que estamos num mato sem cachorros e cercado por cobras de todos os tamanhos. O que poderia nos salvar deste fim trágico e patético? Alguma catástrofe natural? Outro impeachment? Uma intervenção alienígena dos moldes daquela anunciada por Chico Xavier? Sonhar não custa nada e é isso que tenho feito nos últimos dias. Gostaria de ter acesso ao oráculo que possa responder todas essas questões, mas é bem provável que esse ser mitológico já tenha desistido da gente, afinal, gostamos de cometer os mesmos erros do passado, até porque nossa memória é curta e ainda temos o péssimo hábito de acreditarmos nos livros de história.

É preciso uma boa dose de espiritualidade ou zen-nadismo no estilo dudeísta para passar os dias e conseguir dormir com a consciência tranquila. Uns resistem, outros simplesmente existem e outros insistem. Me considero parte desse terceiro grupo, dos insistentes. Apesar dos pesares, insisto naquilo que acredito. Um dia tudo ficará bem, ainda que esse final seja vivido em outro plano, mais verdadeiro e menos contaminado. Com sorte, minha família e alguns bons amigos também estarão lá. No mais, só posso torcer a favor, a favor da natureza, a favor do planeta e a favor do Kevin Johansen que escreveu uma canção sobre isso.

 

Em tempo é bom lembrar que se arrepender é humano e não tem nada de errado nisso. Esse velho sentimento parece que ficou fora de moda e talvez seja por isso que as coisas sigam piorando. E logo após o arrependimento vem o perdão, assim como Cristo na cruz: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo!”.

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Meu Último Retiro Espiritual

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Outro dia arrastado, sem brilho, com o sol escaldante de janeiro, desse janeiro que me deu a vida, outro mero detalhe pertencente a infinita coleção de coincidências e que por algum motivo ou outro resolvemos etiquetar assim. Quando estamos bem as coincidências são sinais divinos auxiliadores de caminhos. Quando estamos mal, bem, elas são apenas coincidências. Outro dia arrastado e dengoso, o almoço solitário ainda é um momento alegrinho, apesar de durar apenas 15 minutinhos. Cenas repetidas de um janeiro aburrido, sem metas ou grandes sonhos para perseguir. Dr. Robert me acompanha em boa parte dessas repetidas cenas de outro verão desperdiçado por entre tabacos bolados, cervejas geladas, chuvas torrenciais, conversas ralas, lanches rápidos, chocolates com coco, trepadas imaginárias, ervas e raios vindos da comunidade dos sonhos rompidos. Outro dia arrastado que passa um pouco mais ligeiro após a sesta necessária para aliviar o corpo cansado de tanto calor e tanta procrastinação. Outro dia arrastado que se transforma na noite infantil onde a arte dos encontros e dos acasos possibilita o mínimo de esperança necessária para trocar o chinelo pelo tênis astronáutico presenteado pelo irmão norte americano. E com Dr. Robert seguimos em busca de outro patético bloquinho de carnaval na cidade fantasmagórica onde certa vez era possível ver bandas inteiras tocando nas ruas, mas que hoje estava condenada as leis e regras capitalistas e separatistas, já que que agora pra ouvir som ao vivo, hay que pagar, hay que tener paciencia para aguentar o mesmo espaço com aquelas mesmas pessoas. O bom de ficar velho é perceber que ao menos os figurantes mudam sempre, e os bares continuam nascendo, ainda que boa parte deles morrerá em poucos meses. E nesses locais novos os figurantes parecem novos também, sinal que a cidade cresce e que a idade já não permite acompanhar tantas almas novas. Os coadjuvantes, esses continuam os mesmos, figurinhas carimbadas do álbum desbotado do campeonato da pseudo subversão, do trajeto largo-trajano-são-francisco. Os coadjuvantes são aqueles seres insistentes que ainda acreditam na magia das ruas e em todas as tentações notívagas típicas das capitais. Nesse sábado eu e Dr. Robert saímos cedo, acompanhados pelo cearense Purple Haze. Escutamos o burburinho vindo das ruínas e provocado por algum bloco carnavalesco formado por travestis e simpatizantes. Outsiders que somos logo nos sentimos desconfortáveis, não pelos travestis, mas por toda aquela alegria desmedida que naquele instante parecia não caber em nossos corações quebradiços. Fomos para a vila dos perdidos, encontramos velhos conhecidos, bebemos cervejas de litro, trocamos algumas ideias e logo o grupo se desmembrou. Eu e Dr. Robert fomos para o último bar da região, the b-side made for punks and rock’n’rollers e com aquele chopp supimpa por menos de dez pila. Degustamos o líquido ruivo sentados na calçada elevada pelas pedras conectoras de árvores. A noite ainda era jovem e os possíveis desdobramentos permaneciam nebulosos. Na subida da Trajano Dr. Robert se interessa pelo convite do show dos racionais do groove no porão dos gaúchos, e se esvai na penumbra e na companhia de outros compadres. São onze horas da noite e eu já estava cansado de tudo aquilo, sentia que precisava retornar ao lar e descansar.

Quem diria que um tombo precoce em plena noite de sábado seria capaz de me presentear com sonhos tão lúcidos e profundos como aqueles que experienciei e que me fizeram despertar as sete da matina com os olhos esbugalhados e a alma massageada. Ainda que o mundo lá fora sinalize seu fim, protagonizado por capitães, empresários e doutores mentirosos que cultuam o dinheiro e o poder, abraçam as armas e a violência, coroando a estupidez de suas mentes vazias, ainda que esse mundo aparentemente real esteja mesmo próximo do fim, fico feliz de perceber que do outro lado todo esse caos parece fazer algum sentido. E se lá fora tudo é decadente e repetitivo, nos sonhos tudo parece fresco e é preciso viajarmos nas profundezas desse mar de símbolos e sacadas infinitas com o intuito de diminuir essa dor e esse peso de uma existência em um planetinha tão atrasado e capenga. Universitários dizem que só nessa galáxia existem pelo menos 100 bilhões de planetas e você consegue imaginar todos esses lugares fazendo tanta merda quanto fazemos por aqui? Bem, talvez nesses outros cantos o bem prevaleça, mas ainda sim, aqui temos os Beatles e todas aquelas belas canções para nos lembrar que em alguma dimensão o amor triunfará. Também temos um dos poucos alemães que deram certo, um tal Jung para nos lembrar da importância desses sonhos malucos e curativos. Não poderia deixar de citar um tal Lynch que costuma trabalhar a potencialidade criativa desses sonhos em seus filmes. E é sobre um desses sonhos que tentarei descrever em detalhes nas próximas linhas.

Estava em um sítio ou alguma espécie de retiro espiritual, um sítio dentro de Curitiba, onde em alguns locais era possível escutar o barulho dos carros. Havia mais umas duzentas pessoas comigo, vindas de diversas partes, algumas delas personagens de diferentes épocas da minha vida. Apesar de parecer estar em um retiro, não havia muitas regras, era possível falar a vontade, os quartos eram grandes e não havia camas, apenas tapetinhos. Talvez a única regra é que ninguém podia consumir drogas e também não havia nenhum ritual xamânico com uso de alguma substância psicoativa. Ficava quem queria ou quem aguentasse aquela experiência maluca de conviver em um sítio com aquelas duzentas pessoas. Encontrei uma antiga namorada, encontrei um antigo colega de faculdade que parecia estar na mesma dimensão de antes, buscando sexo fácil com alguma colega do retiro. Encontrei um ser muito particular que parecia representar a cachorra aqui de casa, nossa relação foi intensa e ele me disse tudo que a cachorra sempre quis me dizer durante todos esses anos que estivemos juntos. Encontrei outro cara que como eu, já havia participado de um retiro de dez dias em silêncio, e também parecia estar desfrutando cada momento, já que ali era possível tagarelar a vontade. Escutava gente filosofando sobre a vida e outro detalhe que me chamou atenção era que a maior parte das pessoas usavam máscaras como forma de esconder suas identidades. Outras usavam camisetas de super heróis e lembro de dar um discurso sobre isso, teorizando sobre esses tempos modernos onde filmes e desenhos fazem adultos continuarem querendo ser super heróis. Além dos quartos, havia refeitórios e locais naturebas onde eram oferecidos sucos feitos com frutas exóticas completamente desconhecidas.

Apesar de inconclusivo como a maior parte dos sonhos, quando despertei me senti contente e energizado. Ainda que o mundo real pareça enfadonho, nos sonhos vivencio intensamente cada emoção: choro, rio e me divirto também.

 

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Somos todos crianças

pace_chaplin

Memórias recentes de gente que sente que esse mundo gira uma vez mais: hashtags iludem os esperançosos, fatos e números assustam os apocalípticos, enquanto nos primeiros minutos do ano novo crianças preenchem o palco iluminado do festival musical que lembra a todos: os bons tempos voltaram. No centro do tablado o homem chucro preenche os espaços de uma banda inteira, símbolo dessa época onde artistas auto suficientes provam que o agito pode ser feito sozinho, e que prova maior que os pulos e sorrisos das crianças de olhos fundos e corações puros. Filhos e filhas de vestidos multicoloridos, cabeças flutuando em pensamentos sem etiquetas, pés descalços deslizando sob a poeira cósmica encantadora de montanhas.

Me sinto como uma criança de Devendra! “Desde o umbigo até o túmulo” seremos crianças, apesar dos pesares e das contínuas mudanças de ares, seremos crianças aprendendo através da natureza dos sonhos a sermos aquilo que sempre fomos: crianças. Inventivos e intuitivos seres livres bailando danças ancestrais livres de julgamentos carentes de sentido. Viramos o ano mais obscuro do século ao som das canções inglesas mais cantadas da história desse decadente ocidente onde as regras parecem ser a régua dos homens com corações e mentes duras. Haja hinos espirituais, versos pop cravados no inconsciente coletivo recente, perpetuados por bandas sessentistas, haja canções praieiras ainda mais antigas, haja joãos, chicos, gils, caetanos, donovans, dylans, cohens, bowies, kevins, jorges, rubens, fitos, charlies, zés, almirs, céus, cátias e gals cantando eu te amo como só ela sabe fazer. O planeta das composições amorosas segue sua expansão em escala multidimensional e é nesse espectro que precisamos estar, certos sobre o incerto mundo externo, plenos sobre esse mundo interno feito do amor capaz de cicatrizar todo esse ódio mal resolvido. Ansiosos reflexos sem nexos, invisíveis intervenções, sensações, sacações amplificadas em grandiosos luares.

Hibernações em calorosos entardeceres, necessárias para a reintegração corporal após outro longo ano que passou tão ligeiro quanto esses raios cerebrais conectores de ideias. Raios que tentam costurar histórias desse passado esmagado por exclamações, rompimentos e as infinitas reticências de sempre.  

Vamos lá garoto, eu sei que você tem sonhos grandes e apesar de agora essa lógica provocada pelo caos das ideias repentinas transformadas em meras palavras ritmadas e que apesar de darem forma ao pensamento reduzem as sensações aos conceitos limitados pelas letras que em conjunto definem palavras e que dependem do repertório do receptor para ganharem algum valor real, um valor talvez maior quando a ausência de pontuações pode provocar inquietações na respiração desse mesmo receptor. E se a comunicação é o grande mal do século e é através da tecnologia que o mal opera e faz gente de bem eleger políticos de araque, me sinto cada vez mais ilhado nesse universo literário preso em alguma cápsula do tempo. Um tempo remoto onde pessoas ainda se interessavam por pensamentos originais, um tempo distante onde a tecnologia ainda era nossa amiga. Hoje me decepciono cada vez que recebo alguma mensagem compartilhada e que provavelmente fora produzida por máquinas responsáveis em separar o povo, criando lados imaginários, vilões ou mocinhos irreais, um espetáculo midiático tão banal quanto a última novela das oito.

Enquanto isso, os longos dias no hospital das nações seguem gerando reações adversas. É incrível perceber que enquanto o mundo lá fora sofre a aceleração degradante de um sistema em colapso iminente, enquanto as almas podres disputam o poder, enquanto a ganância dos doutores e advogados alcança níveis estratosféricos, enquanto a separação de classes cresce exponencialmente, enquanto as contas atrasadas se acumulam, enquanto as nações sobrevivem aos trancos e barrancos, enquanto a finitude do planeta ilude sonhadores que sonham com o dia onde o ódio e o mal não encontram mais lugar, os pastores pregam, os jogadores jogam, os cães ladram, os escultores esculpem, os cantores cantam e os escritores escrevem. Enquanto tudo isso rola ao mesmo tempo, os longos dias no hospital das nações me fazem perceber que o maior exemplo de vida só pode residir em você mamãe, a maior lutadora que conheci, dona dos brilhantes olhos negros mais sinceros que já vi. Profundos e divinos olhos negros guiadores de horizontes onde o amor jamais cessará.

 

contos, pseudojornalismo

Crônicas de Nácar #10: PAIxões, MIstérios, Mimimis, INterrogações e mais E´s

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Sábios ciclones assustam os vergonhosos clones liderados por robôs sem ossos, capazes de adulterar direções políticas no abastado Estado em estado de degradação espiritual. Um Estado que seria bastardo, caso seus pais não fossem revelados em qualquer bar do lado do centro do peito. Haja bebidas, hormônios injetáveis e drogas pesadas para sustentar esses seres opacos, ralos em sentido. Haja música enlatada e martelada nos mercadinhos dos arianos distantes dos Suassunas. Mentindo pra si próprios, quebrando seus pescoços de tanto olhar para seus umbigos, ou pior, para seus espelhinhos pretos capazes de replicar sacanagens e lorotas na velocidade de outro trem bala construído com dinheiro público, superfaturado e escondido por debaixo de seus pelos púbicos. Mas é mais bala que vocês querem, BBB? Bala, boi e bíblia? Boa, bonita e barata? Recatada na sala e safada na cama? Maaaaaaaaama! I don’t want to die! Lamentos do morro sem forro ou fórum privilegiado? Ahhhh! Pare de chiar!

É só isso que ouço falarem por aí: nos supermercados campeões de promoções, nas casas de sucos comandadas por kamikazes, nos super carros transformers atropeladores de seres humanos, e claro, nas bancadas onde velhos babões de narizes brancos aprovam leis a toque de caixa dois ou três, cortam direitos e selam bocas dos educadores com dores seculares provocadas por sobrecargas materiais carentes de mandalas. Enquanto isso, professores gagás que viram seus colegas levando bala em plena praça pública e depois se esquecem desse passado recente e conseguem eleger os mesmos carrascos. But wait!

Na na Nina não, essas linhas não precisam ser tão cinzas assim. Deixemos as anatomias cinzentas para as séries procrastinadoras do viver, do saber e desse presente sem mente chamado ser. Deixemos de lado todo esse vermelho sangue dos jornais, dos rurais e das ocupações periféricas em situações irregulares? Deixemos essa mania dos plurais, de querer falar por um grupo inteiro? Generalizar é bacana? Capitanear é preciso? Arranque logo esse seu siso e dê um riso de uma vez por todas! Liberte esse bozo que existe em você! Seu bigode é falso, mas seu coração permanece ensanguentado. Precisamos soldar algumas ideias juntamente com Mettagozo, a caçula, a bolhuda, a corneteira e a sua parteira? Áudios berrados e compartilhados em salas vazias, bochechas infladas, argolas douradas, por entre fotos chilenas com chinesas texanas de dimensões basqueteiras e cachorras estriquinadas com pulgas e vacinas de câncer de rim inventadas e compartilhadas por gente enrugada inocente, enquanto os gases e as piscinas de Liverpool se enchem do vermelho natalino inventado pela marca multibilionária que ultrapassou o pé chato de Pelé em fama nesse globo onde o aquecimento ficará pra segundo plano?

Esquisitos resquícios de outro ano de infinitas polaridades, passados passados no ferro de passar a velha roupa colorida por esse tempo curador, o mais antigo mestre dos magos nadadores de grandes lagos, monges pansexuais rumo aos novos centros energéticos conectados as imensas cordilheiras de outra América em fase de Redescobrimento. 15 meras “eloquências dialéticas” profanadas pela princesa dos mares e das marés altas e baixinhas como essa pessoinha que começo a traduzir. Brancas palomas nesse céu azul de dezembro dessa nova lua inspiradora de sonhos intranquilos dos ottos e das motos assustadora de ritas. Minutos separam a longa saia preta das minutas que ela irá desfrutar no país dos mateiros.  

Baja la tierra no baixio das bestas e das prolíferas referências, das carências e carícias desse marinheiro só, aprendiz da capoeira angolana, de outra profana dança do baile horizontal e cada vez mais próximo do chão de estrelas, essências misturadas ao pó terrestre humilde e sereno como esse universo pleno que cresce e se contrai como o beijo do pai outrora ausente. Now she is gone, gone with the wind, pro vento hermano, pra longe do rio vermelho de iemanjá e do branco preto com o teto nos joãos brasileiros e ingleses. Ritos e reais mitos, dodecafônicos biotônicos dos já saudosos ivens pioneiros ergonômicos da cidade dos pinhais ou dos pinheiros conhecedores de canciones afro latinas. Somas de sentimentos e de e’s e de tantos ET’s preenchedores de silêncios, agregadores e’s que confundem o cerebelo nada belo do guarda belo que tenta, mas não compreende. Tarantelas autorais dos tatás com patas e barbas rancheiras reprodutoras de fãs ou cavalos baixistas com baterias inchadas e cucas rachadas. Amarantes bebendo amarantos, elefantes africanos comendo amarulas, argentos degustando Clarices, fluxos beatniks, titanics em imersões sem sanções. Rosas, zumbis dos Jorges e das crianças bebedoras de cajuínas: Joinas, Joanas, Julianas e seus alfajores preferidos. Habladurías propositais opostas as maledicências das línguas sicilianas tão ácidas como os limões dos sampaios. Escrever é como desenhar, hay que soltar! O barato é escutar as batidas das baratas de Max, do sax sem pudores passeando pelas cores claras de outra tarde ensolarada.

Seria tudo parte de outra Pasárgada feita por retalhos da bandeira multiversal de outro escritor amador flutuando nas semanas astrais que antecedem os cumpleaños de ciros, posses cheias de tosses ou encuentros familiares rompidos por correntes virtuais? Ora pro nobis, me ajude a lembrar de sempre orar para o tempo parar? Thanks Kinks por acrescentar que o tempo cicatrizará todo esse ódio mal resolvido. Elliott, sua história também foi marcada por question marks?  C ́est fini! Velho Allen, veja bem mais além, tudo ficará bem?

Yes! Yes! Yes! Na “rádia”, no bar ou no mar, eu sei que vou te amar!

 

*** disponível em áudio pelo site da Rádio Cultura de Curitiba ***

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Chilenos, Luzes, Viejos e notas Verdes verticais

pace_jodorowskiO tic-tac do relógio biológico dela gelou meu coração operado, especialmente quando senti aquela fria pulseira por debaixo das cobertas. Despertei com o bigode de Dali, ou um mix promocional Mussolini-Pasolini na seção italiana do mercado dos festivais e das atendentes sorridentes trabalhando a paciência de Jó. Escravas de Jó? Sorry baby, mas a solitude é minha mais antiga amiga. Seu relógio era de ouro falso, banhado pelas metas, barganhas e sistemas, típicas desse ocidente acidental incapaz de curar dentes ou problemas verdadeiros. Garotos mimados parados na era medieval ainda que seus novos brinquedos sejam espelhos pretos desconectados com a vida vivida pelo presente presenteado pela simplicidade do sentimento. Little boys brincando com armas e drogas. Crescem e continuam no mesmo joguinho ensinado por padres e abuelos ingleses, alemães ou hollywoodianos. Armas coloridinhas feitas do plástico poluidor de oceanos. Armas feitas em impressoras 3D outra grande invenção usada para fins bestiais. Drogas travestidas de chocolates industriais com o açúcar invertido inimigo do sangue puro diametralmente oposto àquele ariano de outrora. Guerras são tão irreais quanto esses papéis esverdeados que fazem os covardes do poder se sentirem superiores, enquanto suas hemorróidas ardem, seus narizes crescem, suas luvas desaparecem e seus umbigos sentem saudade do tempo em que os cordões ainda os conectavam com o amor puro materno. Um amor infinito, fraternal, esquecido e trocado por carreiras repetidas, carreiras corrompidas pela ilusão monetária que faz filhos e chicas competirem com seus descendentes. Hijos são como pajaritos, precisam voar, cantar, se arriscar e riscar pelo menos por um tempo, a vida em sociedade.  

Claudio Laranjo me lembra dos alemães famosinhos que se curaram indo pra Itália, provavelmente vilarejos centros desse movimento caracólico-slow, onde o desenvolvimento humano, intuitivo e sentimental ainda pulsa, ou como Arnaldo Itunes “o medo de ser” já não assusta tanto e independente da enxurrada de enfermidades alarmadas por aí: “o pulso ainda pulsa”. Na Alemanha, e por favor, inclua o Reino Desunido, os “States”, e todos os países dominados por esses falsos impérios, inclua todos esses Capitais nesse imenso bolo fecal mascarado como desenvolvimento mental: um desenvolvimento competidor, aparente e raivoso,  amplificado em épocas eleitoreiras, vomitado por mentes mentirosas sem rosas, gente robótica, gente invejosa, gente bundona,… “this is chicken town!”, berraria Dylan-Haynes em filmes rompedores de rótulos. Gente presa na história do papai e da mamãe, do vovô Ovo e da vovó Mafalda,  e que jamais se preocuparam em ir atrás de seus sonhos reais, suas profundas existências, sem o famigerado peso cultural, social ou familiar. Olhar para dentro requer coragem? Se comunicar pra fora exige bom senso, princípios básicos, sinceridade consigo mesmo?

A sinceridade do advogado músico que para tirar seu pijaminha, pede o instrumento de trabalho de outro músico: preso, condenado, “acorrentado pés e mãos” ao lado de um poeta negro sexagenário e tratado como bandido alborguetiano por quatro dias, apenas por tocar jazz instrumental às 21h da noite de um sábado em pleno centro histórico de uma capital cultural? A sinceridade da policial feminina de olhos trincados rompendo a cabeça de um homem recém chegado na cidade mais educada e politicamente correta desse canto de mundo? A sinceridade desse mesmo músico que quando oferecido um serviço voluntário prefere pagar uma multa injusta ao estado facho? A sinceridade do “Doutor” X “Hospital” X “Plano de Saúde”? Ganância de rico não acaba? Alegria de pobre dura pouco? Orgulho? Retorno ao passado materialmente pobre? Do Porto ao Porto? De Bar em Bar? Zé Riquinho e Milionário vão te salvar? Separação de classes? Manipulação midiática em pleno feriado dos mil militares? Vampiros do Pó der? Mettagozo, você será meu eterno bozo!

Faz sol lá fora, mas os zombies continuam enfurnados em suas batcavernas recebendo doses cavalares de informações teatrais e mais parciais que as pesquisas das bocas roxas de outra urna vermelha e azul. Um dia ela será violeta, parra, e para ser única e indivisível! 

Cientistas avançam os gigantescos e primeiros passos de Darwin e percebem que a evolução, ao menos em tese e muito antes desses vergonhos humanos existirem, sempre foi cooperativa. O microo e o macroo aos poucos soltam mais esse laçooo.  

“Não há nada mais espiritual que um baile horizontal”, canta o argento Kevin Cohen, outra dica tropicaliente que pode ir além das ralas interpretações. “Estou na terra de Macondo e aqui ninguém tem a razão”, pois é, onde o coração e a humildade afastam pseudo intelectuais de seus pré-julgamentos aburridos a vida ainda é bela, seja em partes da Itália de Benini, Colômbia de Garcia, Chile de Jodô e Naranjo, Alemanha de Jung, Áustria de Reich, Equador dos Lopez, Haiti, Bahia, São Thomé das letras, Superagui off-season, Sua Cidade Natal, ou até mesmo em Coooolritiba!

Nesses recantos, mitos e lendas são seres de carne desossada que sentem o verdadeiro significado das letras que formam essa bela palavra chamada… Empatia.

Antes de opinar, hay que sentir. Para sentir, hay que viver, experienciar, adentrar. João e o Japão dão outra little tip: I…solaaaaaaaaaaation!

“O seu irmão não é só aquele que te dizem que é seu irmão, mas aquele que está na sua frente nesse exato momento”, disse o motorista antes de outra viagem horizontal. “Gentileza gera gentileza”, disse o pichador mais famoso de Sampa.  “O amor cura, ser gentil é uma tarefa diária”, disse o quadro africano na parede. “Jesus don´t cry”, disse Will Cooperador. “Jesus says”, disse a cópia da cópia.

Gracias pelos consejos sem espejos, merci pelos números que guiam, e assim me despeço embarcando no expresso 2222 que parte de “bonsucesso pra depois”. Pra depois de mais essa novela clubística fool te bolística, e please, please me! Podem me chamar de o idiota da montanha, pois como Cohen me lembrou, o segredo da vida pode estar naquela flautinha!

 
Hello Lightness, I come to see you once again.

 

foto ilustrativa: An Evening with Alejandro Jodorowsky | MoMA